A prática no processo
educacional, com certeza é uma das partes mais importantes da
Educação, enquanto processo. Mas também, não podemos dissociá-lo das
etapas do processo de planejamento, seleção de conteúdos e atividades e
reflexão sobre as mesmas para uma nova elaboração das mesmas etapas,
como um ciclo.
Como consta nas Diretrizes Curriculares da Prefeitura Municipal de
Curitiba (2006), devemos ser conscientes das limitações e das
possibilidades da educação escolar, ou seja, que a educação escolar não
é a única responsável ou solução para todos os problemas sociais, mas
que nela temos possibilidades de reflexão, reprodução e criação de
ações. Para complementar esta idéia entre as possibilidades, limites e
expectativas incumbidas na escola, cito Vago (2006) em que o autor
manifestou as palavras do professor Marcus Aurélio Taborda de Oliveira,
ditas em um congresso. Ela consiste em promover um afastamento crítico
de duas visões extremas da educação na escola, consideradas pelo
autor, a primeira seria o chamado "otimismo pedagógico" onde a escola é
incumbida da solução para todos os problemas e responsável por tudo o
que acontece decorrente disso, e a outra é a de que a escola não pode
nada em frente aos problemas que encontra, ou que, em outras palavras
ela é estagnada, apenas agente passivo na formação dos indivíduos e
constituição da sociedade. (OLIVEIRA, apud VAGO, 2006: 1)
Posto isto, Tentar identificar as necessidades, bem como refletir
sobre os aspectos ocorridos durante a prática, pode ajudar na resolução
e ou diminuição de alguns dos problemas educacionais encontrados e
pertinentes às aulas. Para que isto ocorra, necessitamos intervir de
forma consciente na escola e também refletir sobre os resultados desta
intervenção, para novas ações na escola, formando um processo contínuo.
Como Libâneo (1994) expressa: "A estruturação da aula é a organização,
sequência e inter-relação dos momentos do processo de ensino. Toda
atividade humana implica um modo para atingir seu objetivo. O trabalho
docente é uma atividade intencional, planejada conscientemente visando
atingir objetivos de aprendizagem. Por isso precisa ser estruturado e
ordenado" (LIBÂNEO, 1994: 96)
Apresentação do contexto e identificação
O trabalho descrito ocorreu durante a disciplina de Prática de Ensino
do Curso de Graduação em Educação Física, da Universidade Federal do
Paraná. E consistiu em várias etapas, descritas sucintamente neste
trabalho. Em primeiro momento, esta etapa consistia na escolha da
instituição onde seriam feitas as intervenções, através do contato com
as mesmas, e permissão para desenvolver um trabalho, estabelecendo um
acordo entre a equipe pedagógica da escola e a universidade, já com uma
base teórica para nortear as observações que seriam desenvolvidas na
etapa seguinte. Depois que foram feitas às observações das aulas, que
propiciaram: Uma aproximação da realidade escolar, um reconhecimento do
contexto das aulas de Educação Física na escola em questão, ambiente
estrutural da escola, de possíveis problemas a serem trabalhados, e
também, dos próprios alunos e demais peculiaridades. Então foram
elaborados planejamentos e realizadas as intervenções, com base em uma
problemática, concretizando os mesmos, e por último, um retorno deste
trabalho e produção deste artigo final.
Esta Escola em questão é uma C.E.I. (Centro de Educação Integrada) da
regional do Pilarzinho, e atende em sua maioria crianças das classes de
baixa renda, com ensino de 1º ao 4º ano do Ensino Fundamental e classe
especial. A classe em específico em que foram ministradas as aulas foi
a 4ª série do antigo ensino de oito anos. As aulas de Educação Física
eram geminadas e ocorriam nos dois últimos horários de segunda-feira.
Das observações e percepções à reflexão e estruturação das aulas
Nestas observações que realizamos na primeira etapa, concluímos que a
maior necessidade a ser trabalhada naquele contexto, seria a
problemática da Socialização nas aulas de Educação Física, já que
ocorriam muitos problemas de desavenças, discussões e xingamentos entre
os alunos nas aulas e principalmente, no desenvolvimento de atividades
em grupo.
Dias (2008) nos traz a idéia da socialização no ambiente escolar e sua
principal justificativa. Para a autora, a escola como espaço de
socialização da cultura, ocupa um lugar privilegiado para este tipo de
relações, pois compreende a formação inicial das pessoas, colaborando
nas suas posições perante o mundo. Além disso, que as crianças e
adolescentes integrantes do espaço escolar, interagem socialmente, e
essa interação, ocorrida nesta fase, ajuda os alunos na compreensão de
si mesmos e seus outros sociais, construindo os alicerces para a
vivência efetiva da cidadania. Eu ainda acrescentaria nesta idéia de
pensamento, uma vivência quase que específica da nossa área, que são as
relações das pessoas em seus grupos de amizade, nos jogos e
brincadeiras, que simulam a sociedade e a compreensão da vida em
sociedade, com o respeito às diferenças e ao próximo.
Para Borsa (2007) a escola exerce um importante papel na consolidação
do processo de socialização, permitindo, dentre outras coisas, a
formação de parte da identidade, adquirem-se hábitos de se comportar,
aprender, valores morais e éticos que envolvem a sociedade.
Passada a fase de observações, tivemos mais um tempo para o
embasamento teórico sobre as questões observadas e realmente rebuscar
na teoria formas de conceber a prática (práxis), para elaborar o
planejamento, organização e sistematização das intervenções, que
viessem a corresponder como meio para se trabalhar a problemática.
Neste momento, deixamos esclarecidos os objetivos a serem alcançados,
os conteúdos à serem ministrados, a metodologia escolhida para ser
empregada e também a forma de avaliação do processo. Ou seja,
elaboramos um planejamento docente para a intervenção e é claro que este
tinha que ser coerente com o trabalho proposto, e igualmente o plano
de cada aula articulado com o planejamento, a fim de andarem no mesmo
sentido.
O contato com a prática do Planejamento
Nesta fase, dividimos as intervenções em duas partes, cada uma com um
"bloco" de quatro intervenções, nas quais foram trabalhadas a mesma
problemática, somente alternando o conteúdo específico que seria
empregado, por preferência minha, para alternar o conteúdo. O
planejamento docente é definido por LEAL (2009) como uma ação
refletida, onde o professor elabora continuadamente reflexões sobre a
sua prática, e que tem sua peculiaridade perante outros planejamentos,
por lidar com indivíduos em processo de formação humana. Por isso,
enfatiza a necessidade do professor:
"Decidir, prever, selecionar, escolher, organizar, refazer,
redimensionar, refletir sobre o processo antes, durante e depois da
ação concluída" [...] "Planejar, então, é a previsão sobre o que irá
acontecer, é um processo de reflexão sobre a prática docente, sobre
seus objetivos, sobre o que está acontecendo, sobre o que aconteceu."
(LEAL, 2009: 2)
O conteúdo estruturante escolhido para as intervenções foi o dos
Jogos, na primeira parte foram os jogos cooperativos especificamente e,
após mais um período para analisar as primeiras intervenções e
repensar a próxima parte (bloco com quatro aulas), na segunda sequência
de intervenções foi selecionado o conteúdo dos jogos pré-desportivos,
sem perder o enfoque de trabalhar a socialização nas aulas. A escolha
do conteúdo dos jogos como meio para trabalhar a socialização e
cooperação pode ser representada por Tonioli (2009) que ao concluir seu
artigo que fala dos jogos como meio de socialização de crianças,
menciona acreditar que as melhores atividades para a promoção de
trabalhos em grupo na primeira infância, não são as que estimulam a
competição, mas sim a cooperação. Momento em que estas atividades os
permitem conhecer as capacidades, limites e potencialidades não só em
âmbito individual, mas do grupo inteiro, fato muito importante para o
desenvolvimento social da criança. Aqui a autora fala da educação na
primeira infância, mas acredito que possamos fazer uma transferência
para todo o desenvolvimento da criança. Correia (2007) menciona que
existem várias tentativas de buscar propostas para trabalhar a
cooperação e inclusão nas aulas de Educação Física, mas que, um fato
importante que não podemos esquecer é da forte influência imposta pela
competição, legado da 'esportivização' da Educação Física Escolar.
As Diretrizes Curriculares da Educação Física (2006) também manifestam
ver o jogo como um momento de lazer, de desenvolvimento de raciocínio
lógico e socialização, como propusemos neste planejamento. Interessante
destacarmos que após o período de planejamento das aulas, também
fazíamos constatações de tudo o que acontecia durante a aplicação dos
mesmos, como pontos negativos, pontos positivos e resposta dos alunos,
para poder reelaborar uma prática cada vez melhor, sempre procurando
aprender com os erros para aí então planejar de novo.
Principais objetivos implícitos nas aulas durante o processo
"Promover a participação de todos os alunos, de forma que os mesmos
se integrassem e vivenciassem por meio dos jogos as situações em
grupo, e que ao mesmo tempo adquirissem sujeitos autônomos, capazes
de cooperar, de questionar, de criticar e transformar a realidade."
Também foi procurado trabalhar a motivação e a diversificação nas
atividades, buscando estimular o interesse dos mesmos para os temas
abordados na aula, trazendo atividades novas, que chamassem a atenção e
fossem voltadas para a realidade e cotidiano dos quais estão
inseridos, estabelecendo reflexões e considerações de forma dialogada.
Ao final, foi realizado um relato do processo em forma de desenho ou
escrita pelos próprios alunos, para obter um retorno das informações,
em caráter de feedback para o professor, no qual, os alunos
expressaram as percepções que tiveram no transcorrer do processo e seu
olhar sobre as atividades realizadas, quais delas foram melhor
recebidas, o que eles puderam compreender no final das aulas, etc.
Detalhe, que os valores morais e conteúdos articuladores, ou também
chamados de transversais eram abordados em todas as aulas, na medida em
que, os temas emergentes foram aparecendo.
Principais dificuldades encontradas durante o processo
As dificuldades encontradas, para além do que já havíamos constatado,
que era a dificuldade de relação em grupo entre os alunos, e que já
estava sendo trabalhada, foi à desmotivação de alguns alunos durante o
decorrer das aulas, onde alguns começaram a não fazer as atividades,
depois a cada tempo que se passava mais alunos queriam ficar sem fazer.
Visto isto, me deparei com um novo problema a ser trabalhado, a
motivação como um dos pontos principais da aula, fatores que
prejudicavam também a participação dos alunos eram a competitividade
excessiva de alguns integrantes do grupo e o sol e calor forte, que
fazia com que alguns alunos saíssem no meio da aula ou até mesmo nem
participassem, salvo uns que queriam entrar na aula, depois que
acompanhando do lado de fora achavam que iam gostar da atividade.
Durante as práticas de aula, é comum que os professores se depararem
com dificuldades e até limitações no processo docente, como Bracht et.
al. (2005) relata em sua pesquisa ação em Educação Física,
estabelecendo uma distinção dos limites que denomina macro e micro. No
primeiro o autor se refere a problemas governamentais, de relações
públicas etc. Já no segundo, são os problemas específicos da escola
como instituição. Ou seja, compreendemos com isso que no cotidiano
escolar, no desenvolver da prática pedagógica, estão implícitos limites
e dificuldades de vários tipos, das quais necessitaremos contornar,
não somente de origem social e política (externos a escola), mas também
no aspecto organizacional da escola, na relação professor/alunos,
problemas de estrutura, (exemplos internos). Neste trabalho, o autor
ressalta a importância de discutir as dificuldades encontradas em
grupo, trazendo idéia da formação continuada de professores, em busca
de refazer, e de maneira pensada, as suas práticas.
Principais possibilidades para o trabalho docente
Ao iniciar o trabalho com a turma, procurei trabalhar planejando
atividades que trouxessem à tona as relações de interação entre eles, e
junto com as reflexões durante, e principalmente ao final das aulas
percebi que o trabalho estava dando certo, eles se mostravam mais
conscientes sobre a importância da socialização nas aulas, mesmo que às
vezes tomassem atitudes contrárias a isso.
Também pude perceber que, mesmo com falta de estrutura, materiais é
possível desenvolver atividades diversas com as crianças, utilizando de
criatividade e adaptação para regras, materiais e etc.
E com a realização de uma atividade final, na qual os alunos deveriam
desenhar ou escrever palavras do que ficou para eles do conteúdo dos
Jogos, eu pude perceber que, a maioria deles, entendeu o propósito dos
jogos como meio de socialização, ou os que não manifestaram essa
perspectiva, desenharam as atividades que mais gostaram com seus amigos
jogando, fato importante e que descrevo como uma boa resposta da turma
frente ao trabalho desenvolvido durante este ano de 2009.
No âmbito da participação nas aulas, poderíamos fazer pesquisas com os
próprios alunos sobre o motivo da desmotivação nas aulas, assim como,
do que é motivante de modo geral para eles, como alguns autores fizeram
em pesquisas com o intuito de verificar a desmotivação nas aulas de
Educação Física (CHICATI, 2000; MARZINEK & NETO, 2007)
Ao final deste trabalho, não procuro apresentar esta forma de
planejamento mostrado como resultados, pelo contrário, minha intenção
principal é de apresentar que as situações ocorridas durante as aulas e
seu planejamento andam de mão dadas, uma da base para a outra, em um
processo contínuo e ao mesmo tempo singular, onde cada aula, cada turma
é uma situação. Portanto, não venho dispor de receitas prontas para
encarar os problemas no planejamento e nas atividades, mas de formas de
se pensar, de sistematizar o planejamento para o trabalho de uma
problemática, No qual se possa observar, diagnosticar, planejar e
estabelecer a prática de forma consciente, tentando diminuir e
contornar os problemas encontrados no caminho, assim como, estimular a
reflexão e a criação de novas práticas dentro da escola.
E por último, relatar que toda esta experiência permeada pela
disciplina de Prática de ensino, é de fundamental importância para a
vida profissional, momento em que, em âmbito acadêmico, podemos ter a
noção de planejar, o que pensar quando planejamos e ainda das
dificuldades, limites e possibilidades deste trabalho, que para muitos
pode ter sido a primeira vez que estiveram de frente com esta situação,
enquanto sujeitos do processo de ensino e planejamento. E sem menos
importância, agradecer a atenção e a disponibilidade da Escola C.E.I.
Professor Lauro Esmanhoto, sua equipe pedagógica (aqui destaco os
professores de Educação Física Paulo e Eduardo) que nos deram carta
branca e liberdade para realizarmos este trabalho, e a direção da
escola, pelo apoio e abertura das portas na realização desta ponte
entre a Universidade e a Escola. Pela parte da Universidade, os
professores Sérgio e Carmela, pelas direções, conselhos e expectativas
neste trabalho. Entendendo a universidade e a escola como consciência
da importância dos jogos, da socialização, noção das regras. A
diferença importante entre os jogos competitivos e cooperativos, do
esporte para o jogo. Aqui incluo mais uma vez uma citação do documento
das Diretrizes Curriculares do Município de Curitiba (2006). Por este
ser o documento que norteia o processo de planejamento das escolas
publicas da rede municipal, caso da escola em que foi desenvolvido o
trabalho. "Portanto, o papel do jogo no contexto escolar vai além do
simples ato de ensinar e aprender, o que importa é construir
conhecimentos e formar espaços de aprendizagem para professores e
alunos, como uma troca de informações e conhecimentos.
-
BORSA, Juliane C. O Papel da Escola no Processo de Socialização Infantil. Psicoglobal - Psicologia.com.pt, v. 142, p. 1-5, 2007
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BRACHT, Valter et. al. Pesquisa em ação: Educação Física na Escola. 2 ed. Unijuí, 2005.
-
CHICATI, Karen C. Motivação nas Aulas de Educação Física no Ensino Médio. Revista da Educação Física/UEM. Maringá, v. 11, n. 1, p. 97-105, 2000
-
-
DIAS, Adelaide Alves ; MACHADO, C. J.; Nunes, M. L. S. . Educação, Direitos Humanos e Inclusão Social. 1ª. ed. João Pessoa: Editora Universitária da UFPB, 2009. v. 1. 282 p.
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DIRETRIZES CURRICULARES DA EDUCAÇÂO FÍSICA. Secretária da Educação de Curitiba. 2006.
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LEAL, Regina B. Planejamento de ensino: peculiaridades significativas. 2009
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LIBÂNEO, Jose Carlos. Didática. Editora Cortez, 1994.
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VAGO,
T. M. Educação Física na Escola: circular, reinventar, estimular,
transmitir, produzir, praticar... cultura. In: Naire Jane Capistrano.
(Org.). O Ensino de Arte e Educação Física na Infância - Coleção Cotidiano Escolar. Natal: UFRN/PAIDEIA/MEC, 2006, v. 2, p. 7-29.
Fonte: www.educacaofisicaa.net